Querida Kitty,
Ontem
apanhei um susto terrível. Às oito da noite tocou subitamente a campainha da
porta. Só conseguia pensar que era alguém para nos vir buscar, sabes o que
quero dizer. Mas acalmei-me quando toda a gente jurou que devia ser uma
brincadeira ou o carteiro.
De facto, a vida aqui não é fácil. Nada é totalmente
seguro, e o mais pequeno ruído pode significar a maior tragédia para todos nós.
É um eufemismo dizermos que estamos escondidos: nós
estamos presos, apenas não o assumimos. Na realidade, seria bastante ingrata se
desprezasse este espaço onde ficarei “escondida” quem sabe por quanto tempo.
Estão todos a tentar torná-lo num lar, mas sem uma única atividade ao ar livre,
um único olhar para o sol, não existe uma pessoa que consiga adotar uma
perspectiva positiva perante um cenário tão macabro.
Toda esta guerra faz-me perceber o quão irracional pode
tornar-se o ser humano. É grotesca a forma como é tratado o próximo, e parece
que todos perderam a consciência e os princípios básicos da vida em sociedade.
Estou aqui há quase cinco meses. Não sei para que serve
adiar o inevitável: será que a Mamã e o Papá têm de facto fé num final feliz?
Será que algum dia sairei daqui? Terei a possibilidade de me adaptar? Será que
estamos apenas a esperar que nos venham buscar, tendo o simples consolo de que
“tentámos”?
Eu não sei, mas as respostas virão, a bem ou a mal.
Tua,
Anne
Texto escrito no âmbito do
estudo da obra O Diário de Anne Frank.