Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de
estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado
sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre
diferentes, como, afinal, as paisagens são."
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Lisboa: Assírio
& Alvim (2008)
Passageiro, viageiro, peregrino através da sua própria alma – é a
imagem de si que o poeta permanentemente nos transmite. (…) É o poeta que viaja
através da sua alma múltipla ou, inversamente, é viajado por ela? Seja como
for, tudo é viagem: paisagem e passagem.
Teresa
Rita Lopes, Pessoa por Conhecer,
vol.I, Ed. Estampa
A importância
da viagem exterior e interior
1.
É
interessante verificar a polissemia da palavra “viagem”, que nos pode remeter
quer para a vigem física, quando nos deslocamos para um outro destino real; quer
para a viagem interior, o caminho que percorremos através da imaginação, para
um lugar fictício, um mundo onírico.
Tal como
assegura o poeta Fernando Pessoa, “Para viajar basta existir”, isto é, basta
olharmos o mundo ao nosso redor, observar e caminhar entre “as ruas e as
praças” ou “os gestos e os rostos”. Assim, a viagem física é aquela que é
concreta, geográfica. Por exemplo, bastaria deslocarmo-nos para o México , repleto de
culturas indígenas ancestrais, e contactarmos com povos e uma mundividência completamente distintos. É deste modo que viajamos pelo mundo e pelo
desconhecido, descrevendo com os nosso sentidos o que contemplamos.
Por outro
lado, a viagem interior, de acordo com a escritora Teresa Lopes, é peregrinar
“através da sua própria alma”. Desta forma, desenvolvemos o nosso
autoconhecimento, viajando pelas profundezas do nosso ser, sempre em busca de
algo, seja o conhecimento, a fé, o sentido da nossa vida. Resume-se em poucas
palavras como uma reflexão ontológica. Tome-se como exemplo a figura do poeta
que “viaja através da sua alma múltipla”, ou seja, um poeta que assume diversas
identidades (heterónimos), a fim de se autodescobrir e viajar pelo seu
interior, sendo, por isso, Fernando Pessoa um caso paradigmático.
Em suma, a
viagem, seja física ou interior, vai assumindo cada vez mais um papel
fundamental ao longo da nossa vida; pois é viajando que adquirimos o nosso
conhecimento, a fé naquilo em que queremos acreditar, e, sobretudo, a
descoberta do ser (a alma) que habita em nós.
Beatriz Garcia
2.
O conceito de viagem é, tal
como Pessoa, “múltiplo”, abrangendo não só as viagens físicas, realizadas com o
corpo, mas também as interiores, conseguidas através da mente, do intelecto.
Ambas as viagens são importantes e desempenham papéis relevantes no nosso dia a
dia.
Em primeiro lugar, a viagem é
algo que nos permite conhecer o mundo que nos rodeia. Na verdade, viajamos
todos os dias, passamos por diferentes estações (locais) e respiramos todas as
culturas de diversos povos nas ruas e nas praças por onde passamos; vislumbramos
várias paisagens únicas que nos fazem sonhar e meditar sobre a vida; e olhamos
distintos rostos das pessoas que cruzam o nosso caminho.
Por outro lado, a viagem através
da alma possibilita a realização de desejos intrínsecos que não podem acontecer
no mundo terreno. É o caso, por exemplo, de Pessoa, que “viaja através da sua
alma múltipla”, dando asas à sua imaginação, “outrando-se” (cf. Prado Coelho) e
revelando personalidades tão diversas como a sua complexidade interior. De
facto, o poeta é um “peregrino” e consegue ter vários “eus” no seu “eu”,
recorrendo ainda ao fingimento poético, transfigurando tudo o que é real
através da sua mente altamente esquadrinhadora.
Por fim, a viagem pode também
contribuir para uma extensão da nossa pessoa, na medida em que nos tornamos
mais completos e recetivos em relação a perspetivas ou mentalidades que
pertencem à identidade de várias comunidades. Isto é, o
contacto com outras realidades faz-nos pensar sobre os nossos modos de agir e
viver.
Concluindo, a viagem, seja ela
interior ou exterior, é fundamental para alimentar a nossa criatividade e para
conhecer verdadeiramente o mundo envolvente.
Filipa
Verdasca
3.
A viagem é
preponderante nas nossas vidas; para além de expandir os horizontes do nosso
conhecimento, impele-nos a crescer. E a que tipo de viagem me estou a referir?
A uma viagem geográfica, mas também a uma viagem pelos corredores da nossa
mente. Afinal, como Fernando Pessoa constatou, “(…) tudo é viagem”.
Ora, um
“viageiro” que percorra o mundo contacta diretamente com culturas, meios,
paisagens e pessoas distintas. Este contacto permite uma nova compreensão da
realidade. Tome-se como exemplo alguém que nunca abandonou a sua zona de
conforto e sempre teve as mesmas ideias e as mesmas conversas… Se “esse alguém”
partir e se debruçar sobre “as ruas e as praças”, terá oportunidade de
transformar a sua perspetiva numa perspetiva melhor e mais rica.
A viagem
interior, por outro lado, proporciona um autoconhecimento (e não um
conhecimento exterior). E para “viajar [dentro de nós] basta existir”, isto é,
não precisamos de nos mover… A razão humana implica que sejamos peregrinos
“através da (…) própria alma”. Penso que este conceito é mais relevante para o
crescimento pessoal do que o conceito anterior (viagem física). De facto, ao
mergulharmos na nossa personalidade e ao analisarmos cada peça do nosso “puzzle”,
conseguimos tornar mais clara a nossa identidade; para Fernando Pessoa, talvez
acontecesse o oposto…
Em última
análise, a viagem funciona como um catalisador da descoberta. “Viajar?” –
viajar é sair de mim para olhar para mim; é sair de mim para olhar os outros.
Madalena
Cardoso
4.
A temática
da importância da viagem, física e interior, é muito interessante, pois abrange
áreas como o autoconhecimento, a imaginação, o sonho e até mesmo algo bastante
concreto como o nosso sucesso profissional.
Abordando,
em primeiro lugar, a viagem física, esta parece-me principalmente necessária
para o conhecimento dos outros, do mundo que nos rodeia, das diferentes
culturas; importante para a descoberta e aceitação da diferença (“(…) sobre os
gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes (…)”). Tomemos o exemplo
de um gestor empresarial que queira lançar um produto para o mercado
internacional. Este tem muito mais probabilidade de sucesso tendo visitado
diversos países, conhecendo as suas necessidades, do que se estiver fechado na
sua zona de conforto, desconhecendo as outras realidades. Isto vai, aliás, ao
encontro do nosso lema do ano passado, “Um mundo para além do meu”.
Relativamente
à viagem interior, interpreto-a como fruto da nossa imaginação, dos nossos
sonhos. É fundamental para sabermos quem somos, para sonhar e imaginar;
permite-nos ir mais longe, ir para além do que conhecemos. É isto que permite a
invenção; ao imaginar, estamos a ser criativos, originando assim muitas vezes
novos produtos, novos bens e novos serviços. São os sonhos que nos permitem
traçar metas que nos levam para além dos nossos limites. O autor Fernando
Pessoa faz esta viagem interior, criando os seus heterónimos, imaginando ser quem
não era para se conhecer a si próprio cada vez melhor. Este é um bom exemplo da
importância da viagem interior.
Em suma,
procurar, conhecer, imaginar, sonhar e viajar fazem-nos ser melhores, ir além
não só das expectativas dos outros, mas também das nossas próprias expectativas.
Autorretrato de Alberto Caeiro
1.
2.
Pedro Martins
Autorretrato de Alberto Caeiro
1.
Não vejo
necessidade de ter educação; porquê confinar-me a uma sala escura e privar a
minha mente de florir? Não preciso que me digam como funciona o mundo (pois
deve ser certamente isso que se ensina nas escolas), pois eu já o sinto na sua totalidade e
compreendo-o. Não me digam como funcionam as flores; para mim basta-me vê-las a
serem felizes para eu também o ser. Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la.
Sabe-me
bem andar pelo campo a absorver a maravilha que me rodeia. Sabem o que é? É a
perfeição, é a vida! Talvez não a vejam aí, pois ela esconde-se dos vossos
edifícios e das vossas máquinas… Não pensem demasiado nisso, não se preocupem;
venham até cá e percebam que a vida corre melhor quando é desprovida do vosso
pensamento. Não entendem? Talvez seja demasiado complexo para compreenderem, ou
talvez a vossa complexidade interior vos impeça de verem a simplicidade
exterior.
Não
preciso de filosofias para ser feliz, não passo para além da realidade
imediata. As coisas não têm significado: têm existência. Tenho o costume de andar
pelas estradas, e noto que são infelizes. Preocupados. Atormentados. Não veem o
que está à vossa frente? Talvez se olhassem para o sol veriam o que há de belo
no mundo. Mas estão tão presos a olhar para o chão, cabisbaixos como são. A
minha vida é uma comunhão com o mundo através dos olhos e dos ouvidos, oiçam!
Vejam! Eu sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho da minha altura. Há quem
me chame um pastor, um guardador de rebanhos, mas não. Não passo de um homem
simples, um homem que se delicia com o que o rodeia; a Natureza!
Diogo Raposo
2.
Lisboa, 12 de outubro de 1914
Tomei conhecimento de que viria a Lisboa na
próxima segunda-feira pelo meu estimado amigo Fernando Pessoa.
Seria uma grande honra poder contar com
a sua presença numa inédita tertúlia que estou a organizar no Café Central.
Nunca os meus olhos viram tão nobre
poesia como a sua. Anseio conhecê-lo. Penso que temos muito em comum. O gosto
pelas sensações une-nos, meu caro.
Certamente que o meu prezado companheiro
Fernando Pessoa já lhe falou de mim. Sou o mestre de Ricardo Reis.
O meu nome é Alberto Caeiro, e, como deve
saber, sou guardador de rebanhos. Na verdade, eu nunca guardei rebanhos, mas é
como se os guardasse. Sou como um pastor, conheço toda a
Natureza, o sol, a chuva e o vento. O meu olhar é nítido como um girassol.
Quando passeio pelas ruas, olho para a esquerda, para a direita e para trás ...
E aquilo que eu vejo é sempre uma novidade para mim. A cada momento, nasço para
o mundo. Olhar é ver com os olhos o mundo e não com a mente. Pensar é estar
doente dos olhos. É não saber ver. É não compreender o mundo. Eu vejo as coisas
como elas são, não tenho filosofias. Creio na Natureza, porque a vejo e não
penso nela. A Natureza foi feita para concordarmos com ela. Não para pensar
nela.
Não tenho ambições e muito menos
desejos. Sou poeta porque esta é a minha maneira de estar sozinho. E quando desejo algo, desejo ser um
cordeirinho ou então o rebanho todo, espalhado por uma planície verdejante com
muita erva e muitas flores. Desejo ser feliz e deitar-me nas encostas por onde
passam as borboletas. E ouvir o silêncio daquela paz. Quando escrevo, sinto-me contente. Mas
quando penso nisso, as minhas sensações são tristes e não alegres como eram. Sou pagão, sei ver o mundo dos sentidos,
em que não preciso de pensar.
Vivo numa aldeia e dela consigo ver todo
o Universo claramente. Sinto-me grande porque sou o que vejo. E só o sou quando
a minha visão está desimpedida e não enclausurada como acontece aos que vivem
nas cidades. Elas tornam-nos pobres, pois roubam-nos a única riqueza que temos,
a vista.
Bem, para o esclarecer, como já deve ter
percebido, sou um pastor das minhas ideias.
Espero receber uma carta sua brevemente,
confirmando a sua presença.
Até lá,
O Guardador de Rebanhos
Filipa Verdasca
3.
As
coisas são como são
Pediram-me
para escrever um pouco sobre mim.
Por
isso, peguei num espelho e olhei-me de alto a baixo.
As
coisas são como são.
Não
sou muito alto nem muito baixo.
Tenho olhos azuis como miosótis.
Tenho
o cabelo loiro como o pôr do sol.
Sou
frágil como uma folha de outono.
Para
quê pensar sobre quem sou?
Pensar é estar doente dos olhos.
Pensar
é não compreender.
As
coisas são como são.
Costumo
deambular pelas estradas.
Paro.
Escuto. Olho.
Vejo
o que me rodeia.
Vejo
com atenção.
Tudo
é puro.
E
eu sinto, sinto sempre.
Mas
nunca penso.
Fruir
da vida despreocupadamente.
Um
dos meus lemas de vida.
Saúdo
o breve e o transitório.
As coisas são como são.
Escrevo
sem regras.
Métrica? O que é isso?
Formalidades?
Para quê?
Linguagem
simples e espontânea.
Não
preciso de embelezar a escrita.
A
escrita será boa se a natureza for boa.
E
a natureza é boa.
Nem
pensei.
Nem refleti.
Todas estas palavras fluíram levemente do meu
olhar.
As
coisas são como são.
Madalena Cardoso
4.
Falar de mim é difícil. Não sou mais que um simples guardador de rebanhos.
Nem sempre sou igual no que digo ou que escrevo.
Nem sempre penso.
Mas observo.
Observo o presente.
A realidade digna dos olhos.
O tempo é ausência. É cansaço.
Só a Natureza se renova.
Só as sensações me enriquecem.
O toque da folha fresca do girassol.
A borboleta que passa no ar puro da minha aldeia.
O cheiro da relva húmida.
O som cauteloso dos pássaros.
O sabor eterno da maçã.
Esta simplicidade complexa que capto com os meus olhos.
Não me preocupo com as frases aprazíveis.
Apenas com a simplicidade.
Tal como a natureza.
Tal como a vida.
Por isso amo. Amo as coisas.
Amo-as por serem como são.
Sonho-as.
Sem mistérios ou enigmas.
Tudo é divino.
Tudo é espontaneidade.
Se morrer muito novo, falem de mim.
Falem da criança que me habita no interior.
Da criança que brincava nos livres braços da natureza.
E que, de alguma maneira, ainda brinca.
Na mais pura arte de ser.
Nem sempre sou igual no que digo ou que escrevo.
Nem sempre penso.
Mas observo.
Observo o presente.
A realidade digna dos olhos.
O tempo é ausência. É cansaço.
Só a Natureza se renova.
Só as sensações me enriquecem.
O toque da folha fresca do girassol.
A borboleta que passa no ar puro da minha aldeia.
O cheiro da relva húmida.
O som cauteloso dos pássaros.
O sabor eterno da maçã.
Esta simplicidade complexa que capto com os meus olhos.
Não me preocupo com as frases aprazíveis.
Apenas com a simplicidade.
Tal como a natureza.
Tal como a vida.
Por isso amo. Amo as coisas.
Amo-as por serem como são.
Sonho-as.
Sem mistérios ou enigmas.
Tudo é divino.
Tudo é espontaneidade.
Se morrer muito novo, falem de mim.
Falem da criança que me habita no interior.
Da criança que brincava nos livres braços da natureza.
E que, de alguma maneira, ainda brinca.
Na mais pura arte de ser.
Rute Amaral
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