Os Livros de Linhagens,
de D. Pedro, Conde de Barcelos, também chamados Nobiliários, incluíam, além dos
relatos exaustivos da genealogia das famílias nobres, narrativas fantásticas, de
conteúdo mítico-lendário ou mítico-simbólico.
Estas lendas ou contos fantásticos procuravam explicar a
fundação de uma determinada família. Um dos textos mais conhecidos é “Dona
Marinha”, inspirado na tradição etnográfica multissecular do litoral
(parentesco com Afrodite, com as Sereias, Ondina).
Um bom cavaleiro, caçador e monteiro, acompanhado por três
escudeiros, achou um dia uma bela mulher que dormia junto ao mar. Quando os
ouviu quis acolher-se ao mar mas eles chegaram a tempo de a “colher” o
cavaleiro levou-a num cavalo para sua casa. Fê-la baptizar e teve dela seus
filhos entre os quais D. Joham Froiaz Marinho. Porém ela não falava apesar do
amor dos seus. Só falou quando o cavaleiro a assustou fingindo lançar à fogueira
o filho querido de ambos. Querendo gritar lançou um pedaço de carne pela boca e
a partir de então falou. E o
cavaleiro desposou-a.
Transcrevemos o texto original:
O primeiro foi ũu cavaleiro boo que
houve nome dom Froiam, e era caçador e monteiro. E andando ũu dia em seu cavalo
per riba do mar, a seu monte, achou ũa molher marinha jazer dormindo na
ribeira. E iam com ele tres escudeiros seus, e ela, quando os sentio, quise-se
acolher ao mar, e eles forom tanto empos ela, ataa que a filharom, ante que se
acolhesse ao mar. E depois que a filhou aaqueles que a tomarom fe-a poer em ũa
besta, e levou-a pera sa casa.
E ela era mui fermosa, e el fe-a
bautizar, que lhe nom caia tanto nome nem uu como Marinha, porque saira do mar;
e assi lhe pôs nome, e chamarom-lhe dona Marinha. E houve dela seus filhos, dos quaes ũu que
houve nome Joham Froiaz Marinho.
E esta dona Marinha nom falava
nemigalha. Dom Froiam amava-a muito e nunca lhe tantas cousas pode fazer que a
podesse fazer falar. E ũu dia mandou fazer mui gram fogueira em seu paaço, e
ela viinha de fora, e trazia aquele seu filho consigo, que amava tanto como seu
coraçom. E dom Froiam foi filhar aquele filho seu e dela, e fez que o queria
enviar ao fogo. E ela, com raiva do filho, esforçou de braadar, e com o braado
deitou pela boca ũa peça de carne, e dali adiante falou. E dom Froiam recebeo-a
por molher e casou com ela.
Mattoso, José; Livro de Linhagens do Conde Dom Pedro, Lisboa, Academia das
Ciências, 1980 , p.73 A1
*
Lenda do nome Salgueiro
O primeiro
foi um formoso marinheiro que regressava a casa da sua longa viagem.
Numa noite
fria, o marinheiro, que não conseguia dormir no seu barco, levantou-se da sua
cama, ao ouvir um cântico maravilhoso vindo do além. Procurou a voz,
dirigindo-se ao mar. No manto de nevoeiro, viu uma figura rochosa que emitia a
voz encantadora e, ao aproximar a embarcação do rochedo, encontrou uma linda
donzela de cabelos azuis e pele clara, sentada. Perguntou-lhe o seu nome e ela
disse que vinha do mar salgado e logo se apaixonaram. Sem hesitar, levou-a para o seu barco, onde prometeu cuidar dela.
Dias depois
de embarcarem, o marinheiro pediu-a em casamento. Ela aceitou, com uma condição:
nunca, de maneira alguma, o marinheiro poderia permitir que ela tocasse na
água.
Os anos
passaram e o pacto manteve-se. O marinheiro e a donzela tiveram um filho de
olhos turquesa e viviam apaixonadamente na casa junto ao mar.
Mas, uma
noite, o marinheiro acordou com uma luz forte vinda do quarto do filho. Olhou
para o lado e a mulher não estava deitada. Levantou-se rapidamente e começou a chamar
por ela. Encontrou-a agarrada ao seu amado filho, cercada de chamas. Para acudir, o marinheiro pegou nem barris de água e lançou-os ao fogo. No entanto,
quando as chamas se foram apagando, a donzela, encharcada, gritou com todas as
suas forças e foi-se desfazendo em pedras de sal, enquanto se encaminhava para
o mar, onde permaneceu.
Nunca mais
se ouviu falar dessa donzela, mas a verdade é que continuam a existir marinheiros
com vestígios de sal nas suas casas…
Inês
Martins, 10C
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