segunda-feira, 2 de março de 2015

Recriação de uma lenda medieval




Os Livros de Linhagens, de D. Pedro, Conde de Barcelos, também chamados Nobiliários, incluíam, além dos relatos exaustivos da genealogia das famílias nobres, narrativas fantásticas, de conteúdo mítico-lendário ou mítico-simbólico.

Estas lendas ou contos fantásticos procuravam explicar a fundação de uma determinada família. Um dos textos mais conhecidos é “Dona Marinha”, inspirado na tradição etnográfica multissecular do litoral (parentesco com Afrodite, com as Sereias, Ondina). 

Um bom cavaleiro, caçador e monteiro, acompanhado por três escudeiros, achou um dia uma bela mulher que dormia junto ao mar. Quando os ouviu quis acolher-se ao mar mas eles chegaram a tempo de a “colher” o cavaleiro levou-a num cavalo para sua casa. Fê-la baptizar e teve dela seus filhos entre os quais D. Joham Froiaz Marinho. Porém ela não falava apesar do amor dos seus. Só falou quando o cavaleiro a assustou fingindo lançar à fogueira o filho querido de ambos. Querendo gritar lançou um pedaço de carne pela boca e a partir de então falou. E o cavaleiro desposou-a.

Transcrevemos o texto original:

O primeiro foi ũu cavaleiro boo que houve nome dom Froiam, e era caçador e monteiro. E andando ũu dia em seu cavalo per riba do mar, a seu monte, achou ũa molher marinha jazer dormindo na ribeira. E iam com ele tres escudeiros seus, e ela, quando os sentio, quise-se acolher ao mar, e eles forom tanto empos ela, ataa que a filharom, ante que se acolhesse ao mar. E depois que a filhou aaqueles que a tomarom fe-a poer em ũa besta, e levou-a pera sa casa.
E ela era mui fermosa, e el fe-a bautizar, que lhe nom caia tanto nome nem uu como Marinha, porque saira do mar; e assi lhe pôs nome, e chamarom-lhe dona Marinha.  E houve dela seus filhos, dos quaes ũu que houve nome Joham Froiaz Marinho.
E esta dona Marinha nom falava nemigalha. Dom Froiam amava-a muito e nunca lhe tantas cousas pode fazer que a podesse fazer falar. E ũu dia mandou fazer mui gram fogueira em seu paaço, e ela viinha de fora, e trazia aquele seu filho consigo, que amava tanto como seu coraçom. E dom Froiam foi filhar aquele filho seu e dela, e fez que o queria enviar ao fogo. E ela, com raiva do filho, esforçou de braadar, e com o braado deitou pela boca ũa peça de carne, e dali adiante falou. E dom Froiam recebeo-a por molher e casou com ela.

Mattoso, José; Livro de Linhagens do Conde Dom Pedro, Lisboa, Academia das Ciências, 1980 , p.73 A1

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Pedimos aos alunos de Literatura Portuguesa que (re)criassem esta lenda, respeitando as características e o objetivo da mesma (explicação da origem e da fundação de uma família). Eis o resultado:

Lenda do nome Salgueiro



O primeiro foi um formoso marinheiro que regressava a casa da sua longa viagem.
Numa noite fria, o marinheiro, que não conseguia dormir no seu barco, levantou-se da sua cama, ao ouvir um cântico maravilhoso vindo do além. Procurou a voz, dirigindo-se ao mar. No manto de nevoeiro, viu uma figura rochosa que emitia a voz encantadora e, ao aproximar a embarcação do rochedo, encontrou uma linda donzela de cabelos azuis e pele clara, sentada. Perguntou-lhe o seu nome e ela disse que vinha do mar salgado e logo se apaixonaram. Sem hesitar, levou-a para o seu barco, onde prometeu cuidar dela.
Dias depois de embarcarem, o marinheiro pediu-a em casamento. Ela aceitou, com uma condição: nunca, de maneira alguma, o marinheiro poderia permitir que ela tocasse na água.
Os anos passaram e o pacto manteve-se. O marinheiro e a donzela tiveram um filho de olhos turquesa e viviam apaixonadamente na casa junto ao mar.
Mas, uma noite, o marinheiro acordou com uma luz forte vinda do quarto do filho. Olhou para o lado e a mulher não estava deitada. Levantou-se rapidamente e começou a chamar por ela. Encontrou-a agarrada ao seu amado filho, cercada de chamas. Para acudir, o marinheiro pegou nem barris de água e lançou-os ao fogo. No entanto, quando as chamas se foram apagando, a donzela, encharcada, gritou com todas as suas forças e foi-se desfazendo em pedras de sal, enquanto se encaminhava para o mar, onde permaneceu.
Nunca mais se ouviu falar dessa donzela, mas a verdade é que continuam a existir marinheiros com vestígios de sal nas suas casas…
Inês Martins, 10C

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